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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 

TRIBUTO AO POETA. Vol. 2.  Org. Angélica Torres Lima. Prefácio Silvestre Gorgulho. Brasília: Biblioteca Nacional de Brasília, Thesaurus, 2009.  188 p.    17X24 cm.
Apoio: Secretaria de Cultura do DF – FAC.  Inclui textos: VIRIATO GASPAR, por Anderson Braga Horta; RONALDO COSTA FERNANDES, por Paulo José Cunha; LINA TÂMEGA PEIXOTO, por Maria de Jesus Evangelista; AFFONSO ÁVILA, por Antonio Miranda; RENATA PALLOTINI, por Adré Luis Gomes; HAROLDO DE CAMPOS, por
José Fernandes; AFONSO FÉLIX DE SOUSA, por Astrid Cabral; CECÍLIA MEIRELES, por Sylvia Helena Cyntrão e OSWALDINO MARQUES, por Margarida Patriota. 

Extraído de p. 69-80
 

 

A ALMA E SUA CAUDA DE FLORES,
perífrase como discurso crítico,
provocações à leitura


/tributo da LINA TÂMEGA PEIXOTO/

 

Por MARIA DE JESUS EVANGELISTA (Maju)*

 

 

Onde quer que um homem sonhe, profetize ou poetize,

outro se ergue para interpretar. Paul Ricoeur

 

 

        Aqui me ergo, intérprete da poesia de Lina Tâmega Peixoto, de sua alma e sua cauda", brilho de meteoros, ela que se reconhece "real e divina". Divina no que concerne à poesia abençoada por deuses os e ancestrais de diversos espaços oriundos, gregos ou peninsulares, piarem no rio mar-oceano da memória cristalizada na autêntica mineiridade, banhada em "água polida".

Cada poeta tem em sua escrita alentando sua obra, um tempo a marcar seu estilo inserido numa estética dos estilos de época artísticos.
A poesia de Lina Tâmega Peixoto deságua em todos os tempos sem nenhum deles secar. Fertilidade tem o seu poema, em que "tudo são da memória" que recupera o tempo mítico de todas as épocas pluviais, água abundante dos estilos estéticos e poéticos em que se insere desde a canção do medievo ou a das eras clássicas de predominância lírica, confiando a Alfonso Álvares de Villasandino (2005: 87) suas cantigas de amor. Ou bem antes, conforme os "Desenhos rupestres" (2007: 51). "Há linhas sinuosas espalhadas / como roteiro de tesouros/ enigmas de mar saindo".   
Lima poeta modernista
? Sim. O seu tempo é o aqui e o agora do poeta se fazendo no hoje mítico, lição drummondiana de confessada predileção pelo verso de Lima das liberdades do Eu nos "Exercícios de virtude" de pudico erotismo amoroso; ou simbolista no seu caminhar entre símbolos de aquietadas contemplações metafísicas das íntimas paisagens; nostalgias de espaço e tempo pretéritos, numa espécie de escrita automática, gêmea do delírio como criação subjetiva, como observa Oswaldino Marques. Nesse sentido, sua poesia, de rara plasticidade, se encaixa, significante na criação característica do surrealismo, ou do expressionismo , em suas afinidades com a arte da figura, da gravura, da escultura ou suas mandalas,  exemplar na série "Desenhos geométricos":  "O sol é um gancho frouxo do dia" // "Sem emendas na cor". Que extraordinária beleza tem essa paisagem-quadro de manchas amarelo-ouro, pêndulo no céu de anil.
Devo segurar-me nes
se "gancho"? Ou, a exemplo da autora, percorrer os caminhos de seus símbolos para decifrá-los no que concerne aos livros? Aí, talvez, a conjunctio de Eros, Parcas, Pandora, Dionísio, ou "outros reinos", iluminem as linhas que mãos sábias e engenho desafiam. Vale a pena perífrases para bem apreender aquilo de que se reveste o ser "divina" e "real".

        É portanto da realidade dos temas da terra, da família e da palavra que wsob o impacto da arte e da beleza dos poemas de Lina Tâmega, falo desta mineira de Cataguases,  Minas Gerais, bem nascida e mui bem direcionada para as Letras, vida e obra então dimensionadas numa só coisa, "uma coisa insone, talvez coisa nenhuma", desde "a criação do mundo". A vida se agarra à terra fiirme a que nada desmente. A obra se desgarra das e o verbo se faz história do inefável.
Lina Tâmega conta sua historia com fatos da terra e da família

confundidos, de sua formação em Cataguases "onde cursou primário, ginásio e colegial", substância orientante para o diploma de Letras Clássicas, latólica do Rio de Janeiro. Formação, como se inicia com prémio à sua poesia, e conto. Logo, a estréia em livro, aos vinte anos, concretiza os auspícios da adolescente irrequieta dos anos dourados da Meia-Pataca e da revista Verde dos Modernistas de Minas Gerais: "A cidade carrega uma grande tradição dentro da arte literária", afirma a escritora, relacionando sua formação poética com a cidade e a vida com parentes e amigos ligados pela Literatura, "Tio

Francisco", Marques Rebelo, Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade: "Eles foram substâncias para que não houvesse de minha parte um desperdício da criatividade" (entrevista a WL. Jornal de Brasília, 06/10/1983, pág. 16).

        Para o bem ou para o mal, o Estruturalismo, com semióticos estudos literários, abolira a biografia do escritor como significativa na interpretação da sua obra. Não critico, eu mesma queimei incenso à primazia do texto pelo texto. Sabe-se que dentro da obra se pode encontrar o que é importante sobre o escritor. Mas sobre a vida do poeta? Questão de acertos na interpretação é também questão de opções. Optamos pelos temas da poética de Lina Tâmega para depreender na obra a sua vida, isto é, na substância temática de poemas como "A Visita", "Desenhos de Minas", "Outono", "Carta de Cataguases", "As grandes xícaras do sol", "Meia-Claridade".
E a palavra como tema? Recorrente, a autora sabe a marca que lhe imprime. Ela é o verbo que, no ser e na natureza, tudo recria. Ente é, e se deita gémea do corpo, "Crase" contextualizando a fusão do eu lírico que se impõe como tema com status de personagem.

        Se espaço houvera, gostaria de, como Ronaldo Werneck, fazer uma ciranda do jogo ambíguo da palavra na Poesia de Lina Tâmega Peixoto:

 

Arremessada ao pretérito espaço, a varanda é uma trama de talos de madeira algemados com a bainha do muro que a solevanta do capinzal. O arvoredo em cochichos, os cacos de esmeraldas, a curva da chuva que põe no colo a paisagem, o sol-posto do consumado encontro à beira de mim, tudo é florescer do acaso, tudo são sustos da memória. Existo na metade de tudo, na metade de nada, e procuro no outro lado do percurso o jogo ambíguo das palavras. A música vibra o ar que bica e estala as trémulas rendas da voz. Desembrulho outras palavras e extingo a noite - plana, seca e desesperada. Entreluz como tranças de sol o sibilo dos tons na garganta. Engendro um refrão dourado para recitar, luxuriante, com febre e desmaios, uma frase igual a outra frase. Gémeas em mim. Crase (de 50 Poemas Escolhidos pelo Autor, pág. 114-115)

 

        A seara é grande. A colheita, maior. Se nos dá o trigo, Lina também nos dá o pão da virtude que alimenta o corpo e o espírito no agenciamento de seus versos, quase trezentos, dos quatro excelentes livros publicados, a desafiar o melhor de qualquer bom intérprete. Seu quinto livro, 50 Poemas Escolhidos pelo Autor, não foi usado como matéria de análise, embora tenha servido para comparações. Os "Cinquenta", Antologia como é, se oferta em prazer ao alcance do leitor.

        Antes mesmo do seu "amadurecimento", Lina domava seu verbo como tema e expressão do seu renovar "o flanco aberto e exposto / da pala­vra". Vejam-se alguns exemplos na sequência de publicação dos livros.

        De Algum Dia são versos um tanto ingênuos, como se pode ver:

 

Meu barco (chama-se Viagem) não tem remos, velas,
a corrente presa a palavras tão brandas

                                                                   ("Refúgio")

 

 

 

Quis dizer-te uma palavra
debruçada sobre o mar. //
Como são frágeis ao vento
as palavras que te dei.

                                      ("Desacerto")

 

 

 

Às vezes, ouço um tropel forte e penso que és tu,
minhas palavras soltam-se da boca e tentam
alcançar-te.

                                                                     ("Pedro")

 

Como se olharem

se neles há um vazio

de palavras, movimento? /

Em que boca se demora a palavra,

densa e irreparável,

em que ilusões se fixou?

                           ("Os desamparados")

 

 

        Entretempo livro (1983) é intermezzo para um vocabulário de mais requinte na expressão de estados líricos:

 

 

Alegria e desencanto

são palavras empoçadas. /

Meu Deus, quero uma palavra

- a que habita na alma,

na minha alma dormente! /

Palavra só e completa

que não se parta, se embace,

                           ("Será sempre a vida assim")

 

 

A palavra, aresta incrustada em certo mundo,
é a visão perfeita de minha face.

                                                                                                          ("Espelho")

 

Naquela tarde, amei a palavra
que caíra da beirada do meu corpo:
exceto.

                                            ("Exceto")

 

 

Resisto a que o mistério me sopre
a substância marfim de um sonho
e que as palavras vistam meu corpo
de armaduras.

                                       ("Aclaramento")

 

 

Será a palavra

um breve tremor do corpo // Será a palavra

iluminada de um pretérito //

Será a palavra,

com que amor

vai-se amando, //

Será a palavra

arrepios de espasmo

ou será a sombra desta palavra

que transita sob o poema?

 

                                       ("Da palavra")

 

        Em Dialeto do Corpo, de 2005, acentua-se cada vez mais a preocupação com o bom uso da palavra, conforme os exemplos:

 

 

Conheço uma palavra

que estala o coração e a carícia da pele

 

 

     para recuperar teus braços
enclausurado no meu corpo.

 

      ("O tempo gerado para sempre")

 

Terei um corpo modelado em argila e sopro,
renovado, a cada manhã
nas arranhaduras da palavra, na face do outro
e nos bordados da vida.

              ("Como um cisco ou uma ostra")

 

 

Com a boca de mel rosado
sussurro uma palavra /
A palavra a rodeia
com os nervos eriçados //
Em que lugar esta palavra
lateja sua natureza? //
A menina apanha a palavra
com gesto de ternura
e a guarda para o outro dia.

                                      ("A menina")

 

 

Tudo é transitório na cantiga:
o brilho agonizante da palavra
o ritual do amor e do abismo
lavrados sob os lençóis.

 

("Os estames da fala")

 

 

Que traço do tempo
se prende ao caule de minha palavra,
dardo que vibra
no arfar do coração frágil? //
o osso de cada palavra
crispo a mentira do poema.

 

      ("Biografia")

 

 

       A noite enruga as palavras

       cansada de estar de pé. //
Desembrulho outras palavras
e extingo a noite
—plena, seca e desesperada.

 

            ("Elegia")

 

 

Retorna à história o que se lembra
das palavras luxadas e encantoadas

       pelo artifício do mito.
Disfarçadas em imagens.

                                   ("Arco-íris da escrita")

 

 

Cansada, busco a palavra

na artimanha da inspiração

e o poema se desfaz com o vento.

 

                                   ("Alquimia do verso")

 

 

Desenfloro as palavras
que penso e mastigo
e minha boca se fecha
em porcelana.

 

         ("Motivo VIII")

 

 

       Viver é carcaça de pretextos
escrita com palavras de licor.

 

                           ("Exercício de vida")

 

 

Que centauro bateu

os cascos na pedra

e faiscou estas palavras?

 

                               ("O recado")

 

 

        No livro Água Polida, de 2007, o bom uso do vocabulário ressalta certa contenção do sujeito, sem diminuir-lhe a força das emoções. Confira alguns exemplos:

 

 

Se há palavras vazias, preencho-as...

 

Enclausurada nas palavras
deixei-as emendadas na garganta
e fiapos de voz, canto crepuscular,
ficaram à deriva das constelações do medo.

 

                                             ("Carta de Cataguases")

 

 

Lia em voz alta o livro

para que o corpo das palavras

lhe desse forma de moça.

 

                                         ("Motivo X")

 

 

Os ruídos misturam as palavras
empoleiradas no varal do mundo.

 

                                            ("Motivo XI")

 

 

Amarro, meu amado, a carta às crinas das palavras para que cuide ser veloz na chegada.

 

("Crinas das palavras")

 

 

As teorias modernas e pós-modernas nos estudos literários mui­to contribuíram para que escritores e poetas buscassem, e cada vez mais "experimentassem", possibilidades para particularizar sua criação; criassem sua personalidade artística, determinando o seu estilo. "Criai o seu ritmo" soava bonito, se fazia caminho. O tema era a palavra. Esta­va na palavra. Sem o referencial biográfico perdia-se, porém, certo en­riquecimento da criação para a comunicação, ensejando distorções de interpretação. Gerava elitismo na Arte, sobretudo na literatura que, se queira ou não, tem em si funções diversas de educar e formar o homem. A biografia permite o conhecer-se o homem que nos fala em versos. Sa­ber em que terras viveu, suas raízes, isso não sendo apenas intuído nos símbolos ou metáforas - desafio grandioso, ainda que muito agradável, como foram analisados quanto a determinados temas, os cinco livros publicados pela escritora e poeta Lina Tâmega Peixoto, aliás muito elo­giados pela crítica.

A análise de sua poesia tem como corpus, portanto, uma amostragem dos principais livros publicados e de juízo crítico, com uma ou outra decla­ração da própria escritora. Conforme se pode observar no poema "Outo­no" cujo tema é a morte do avô:

 

 

As folhas tremem com o ruído da respiração.

Respiramos outono.

Não sabíamos... sentíamos.

Até hoje esperamos que o outono venha.

Minha avó esperava que meu avô chegasse

na próxima estação.

Não houve outono.

Houve um céu tão iluminado e veemente
que choramos.

Para as distâncias faltam-me asas
para as mágoas falta-me um lago.

 

 

Desconhecemos seu avô. Que importância para o leitor teria? Muita. Pois seu avô dimensiona-se em nosso avô, na grandeza do seu viver, na sua­vidade com que nos deixa, sem grito (este é silêncio da poetisa) ou drama (que seria de qualquer um de nós).

Assim é Lina: contida. Assim é sua obra: bem construída.

Ainda sem a claridade de água que lhe banha os versos, Lina escreve: "Minha poesia é para mais tarde", no livro-promessa Algum Dia, de 1952, com artesanal factura manuscrita da Editora Hipocampo, com ilustração de Santa Rosa. Além desse recado auto-encorajador, seus versos despertam o leitor ainda desatento para o poder que tem a Lina Tâmega de domar as emoções para que não houvesse "desperdício da criatividade":

 

 

Não comeces a desesperar
ainda é cedo,
tens que durar

 

Sua consciência de arte poética alertada está para os naturais trope­ços no tempo de maturação, como se observa no poema "Refúgio", apesar de certo desconforto com que se exprime:

 

 

Como não tinha nenhum livro de poesia,
saí a olhar a vida.

Clara insatisfação face as suas exigências de escritora: Perdoe-me.

Eu sem um livro me perco na natureza.

 

Ledo engano de quem nisso acreditar. Noutro momento, em outros poemas, Lina Tâmega nos dá a chave para a compreensão do que é arte no poema e o que é fingimento.

De 1983 é outro o recado. Perdura, contudo, percebe-se pelo título do livro, Entretempo, a consciência de maturação que sua poesia vai reativando, como afirma a própria Lina, numa entrevista ao Jornal de Brasília: "Entretempo é uma reunião de intervalos de tempo, somando uma coisa só", o que nos leva a compreender o título do livro e perceber o amadureci­mento de sua escritura:

 

o meu primeiro livro eu considero como uma fase su­perada dentro da criação literária. É como se outra pes­soa o tivesse escrito. De lá para cá existe uma grande

distância. Muitas coisas aconteceram, inclusive mudei-me para Brasília. Não que eu o abomine. O livro e a mudança para Brasília me possibilitaram visão de au¬tocrítica e um amadurecimento maior; é daqui que eu contemplo as montanhas, e da janela. É como se eu me debruçasse em minhas próprias experiências, as quais, com a distância, posso vislumbrar melhor.

 

"Vislumbrar", ver a vida, daí a presença do visual, da claridade na sua poesia, perder-se na natureza da terra e do ser como assevera, com força de fé:

 

 

Escrevo pra refazer

e renovar em mim

o flanco aberto e exposto da palavra

que se deita junto a outra.

 

 

Esse processo de criação poética, o domínio que a artista tem da palavra, consegue realizar a obra única, no sentido de identidade pessoal e originalidade em que o verbo se apresenta numa metapoesia de double face, significante e significado.

 

Dialeto do Corpo I Poemas é publicado em Cataguases, pelo Instituto Francisca de Souza Peixoto em 2005. Aqui se encontra a resposta que a Poeta fizera a João Evangelista, seu colega de Arte na Universidade de Brasília. Com todos os sentidos a serviço do eu lírico, o sujeito do poeta caminha por entre símbolos e metáforas que a arte literária lhe disponibiliza, pondo-se à destra mão para sua escrita. Sobre esse poder quase mágico, escreve Joaquim Branco: "Esta terceira obra continua e aperfeiçoa uma trajetória marcada por intensa sensibilidade transmitida por um natural refinamento da linguagem."

 

 

A história da poesia no Brasil se enriquece com um novo dialeto a partir da publicação do livro de Lina Tâmega Peixoto Dialeto do Corpo I Poemas, obra de grande sensibilidade, engenho e arte, no qual as suas promessas se cumpriram. Sua evolução poética continua in progress, mas já se pode dizer que refeito está "o flanco aberto e exposto / da palavra".

Água polida, de 2007, é mais do que uma promessa cumprida. "Além da imagem: trama do inefável / para mudar contorno definido", os poemas deslizam pela página em branco estruturando uma poética, uma meta-poesia, portanto.

Da memória, pretérita vivência da terra e da família é o centro de longos poemas como na composição "Carta de Cataguases" na qual a au¬sência da mãe é "amargo e doce silêncio". Que mágico poder tem nossa poetisa com a expressão. A morte, tema recorrente do lirismo, vai além da imagem, mergulha no símbolo e ressurge metáfora de compreensão do mistério insondável da ausência, tornando-a noutra coisa de pura beleza:

 

 

Eu estava lá e não soube arrancar de teus ombros
}o manto de montanhas que tolhia
tua esperança, graça e brilho
com que reordenavas as coisas
da natural existência.

Agora em penitência e dádiva, desejo tua morte diferente atenta à gloria e levantada do pranto buscando-te para um passeio em tua casa. //

 

Amarguro a perda dos signos do passado

que, indistinto, reconstruo com visitas à tua cidade

e com linguagens de lastro e palha

que contam à tua gente

como salvar-me da solidão. //

 

Tanto mistério me consola e de tal modo
ordena o emaranhado da alma
que não percebo que lateja nos olhos
a mansa demência da tua morte, mãe.

 

 

De "preclaro símbolo" são as composições quase musicais dos poemas de Água Polida, no qual até a insônia simples e comum de qualquer mortal não pertence mais ao reino des nuits Manches. Reveste-se signo a "guardar o tempo sagrado," urna grega ("Ode sur une urne grecque"). Keats: "Sylvestre conteuse qui sais en ta langue exprimer / Un récit tout fleuri plus suavement qui nos poèmes".

Não se interprete, porém, uma inacessibilidade dos poemas da Lina Tâmega Peixoto. Sua comunicação, em sendo arte artificiosa, desperta o leitor para um grande universo de leituras. Sensível à simplicidade da poesia, ele pode perceber nos escaninhos diversos desde certa postura filosófica e existencial, com despertar recorrente ao erotismo pudico, de "Exercício

de Virtude", até a uma nascente poesia para criança, quando, com originalidade e ingenuidade, escreve, não em "pequenina" linguagem para criança, mas afirmando crescimento: "quando fui menina", para dizer da criança, da adolescente, da escritora ao saber de correntes da memória.

Esse é o caminho-rio das águas, versos polidos pela mineirice

Lina Tâmega, rio e rios.   Lava-pés, Pomba, desaguando no mar-oceano pororocas, sempre descendentes cristais das Alterosas.

***

 

BIBLIOGRAFIA

PEIXOTO, Lina Tâmega. Algum dia. Rio de Janeiro, Hipocampo Editora, 1953.

PEIXOTO, Lina Tâmega. Entretempo. Rio de Janeiro, Record/INL, 1983. Prefácio de Oswaldino Marques.

PEIXOTO, Lina Tâmega. Dialeto do corpo. Cataguases, Editora-Empresa Instituto Francisca de Sousa Peixoto, 2005. Prefácio de Francisco Marcelo Cabral (Prémio Lúcia Aizim, da União Brasileira de Escritores, RJ).

PEIXOTO, Lina Tâmega. Água polida. Rio de Janeiro, Edições Galo Branco, 2007. Prefácio de Igor Fagundes.

 

 

*MARIA DE JESUS EVANGELISTA, professora de Literatura da Universidade de Brasília, é natural do Piauí. Formou-se em Letras Neolatinas pela Universidade do Maranhão. F doutora em Literatura Brasileira pela Universidade de Toulouse, França. Realizou estudos de pós-doutoramento em Literatura Comparada, em Portugal, quan­do foi professora catedrática da Universidade de Coimbra e diretora do Instituto de Es­tudos Brasileiros da mesma Universidade. Maria de Jesus tem trabalhos publicados no Brasil e no exterior, em revistas especializadas e em anais de congressos. Recentemente publicou pela Editora da UnB o livro de crítica literária Cassiano Nunes: Poesia e Arte. Como poetisa, Maria de Jesus usa o pseudônimo Maju Guimaraens, com o qual publicou, em 2002, o livro de poesias Cartas de Amor Nada Exemplar..., em prei­to a sua mãe, Raimunda Guimarães Evangelista, e em homenagem a Alphonsus de Guimaraens e filho. Maria de Jesus foi nomeada curadora do Espaço Cassiano Nunes / BCE/UnB, pelo reitor, onde desenvolve atividades de incentivos à leitura e de promoção das Letras e da Arte, dentro dos Objetivos do Acervo Cassiano Nunes doado à Universidade de Brasília, desde outubro de 2008.

 

*

 

 

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Página publicada em maio de 2021


 

 

 
 
 
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